23/06/2015 - No Bom Dia Ministro, José Eduardo Cardozo falou sobre a redução da maioridade penal

O Bom Dia Ministro, que foi ao ar nesta terça-feira (23), recebu o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O Ministro falou sobre a proposta que visa alterar a Constituição Federal para reduzir a maioridade de 18 para 16 anos (PEC 171/93)

23/06/2015 - No Bom Dia Ministro, José Eduardo Cardozo falou sobre a redução da maioridade penal

O Bom Dia Ministro, que foi ao ar nesta terça-feira (23), recebu o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O Ministro falou sobre a proposta que visa alterar a Constituição Federal para reduzir a maioridade de 18 para 16 anos (PEC 171/93)

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Publicado em 12/12/2016 18:20

APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Olá, você em todo o Brasil, eu sou o Luciano Seixas, está começando agora mais uma edição do programa Bom Dia Ministro, o programa é uma realização da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, e estamos recebendo o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Bom Dia Ministro, seja bem-vindo.MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Bom dia, Luciano, um prazer estar com você.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Prazer tê-lo aqui no programa Bom Dia Ministro. Hoje o Ministro vai falar sobre a proposta, que visa alterar a Constituição Federal para reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos, e nós vamos conversar, vamos começar perguntando, Ministro, quais são os prejuízos e consequências que a redução de maioridade penal pode trazer para o sistema de ressocialização?MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Eu acredito que esse é um tema fundamental de ser debatido, porque hoje nó0s temos uma posição na sociedade que parece até um plebiscito, ou as pessoas são contra ou a favor da redução da maioridade penal, e muitas vezes, a discussão que está com fundo dela, da discussão, não acaba aparecendo, as pessoas não tem dados, não refletiram, e no fundo o que as pessoas querem, não é serem a favor ou contra a redução da maioridade, mas querem uma solução para a violência. Então a pergunta é: A redução da maioridade penal é uma boa solução para a violência? Eu responderia, Luciano: Não, absolutamente, não. Todos os estudos mundiais mostram que quando você reduz a maioridade penal, você aumenta a violência, quando você trata jovens como se fossem adultos e coloca sob o mesmo regime dos adultos, crianças e adolescentes, o resultado é que eles voltam a delinquir mais, recentemente, o departamento de justiça dos Estados Unidos, fez um relatório mostrando isso, e essa é a razão pela qual, em muitos países do mundo, se faz o movimento inverso do que hoje nós temos no Brasil, se quer aumentar a idade com que jovens passam a ser julgados como adultos. O exemplo também, é o próprio Estados Unidos, recentemente duas decisões da Suprema Corte Americana elevaram essa situação, agora, também te digo algo, Luciano, se isso é assim no mundo, imagina como será no Brasil, nenhum brasileiro desconhece como é que é o sistema prisional, nós temos verdadeiras escolas de criminalidade, há exceções, há, há bons presídios? Há, mas em geral, são presídios superlotados, em que não existe a possibilidade de recuperação, em que direitos são violados e o que é pior, quem entra lá, tendo praticado um pequeno delito, sai grande delinquente e membro de organização criminosa. Boa parte da violência que nós temos hoje na sociedade, vem dessas organizações criminosas que comandam o crime dentro dos presídios, todos os brasileiros sabem disso. Ora, se nós reduzirmos a maioridade penal agora, nós vamos colocar essas crianças, esses jovens nesses presídios, estarão sujeitos a essas organizações criminosas, entrarão praticado um delito e sairão de lá membro de uma organização criminosa praticando muita violência lá fora. Então, portanto, todos os indicadores são péssimos, o estudo teórico, a realidade brasileira e, portanto, a maior parte dos especialistas brasileiros em Segurança Pública, tem clareza que se essa proposta for aprovada pelo Congresso Nacional, nós teremos ainda uma piora muito maior na Segurança Pública, no país.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: O Ministro José Eduardo Cardozo, começa agora a conversar com âncoras de emissoras rádio de todo país. E a primeira participação vem de rádio Gaúcha de Porto Alegre, de lá fala Kelly Matos. Bom dia Kelly.REPÓRTER KELLY MATOS (Rádio Gaúcha AM - Porto Alegre/RS): Oi, Luciano, bom dia. Bom dia Ministro José Eduardo Cardozo. Ministro eu estava acompanhando essa sua explicação inicial, só que o texto que foi aprovado lá na comissão especial da Câmara, ele prevê que os adolescentes, com a redução para 16, que eles cumpram essa medida, essa pena em casos especiais, só que um relatório divulgado ontem, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, com base em dados de 2014, diz que também há superlotação nessas unidades para internação de menores, em 16 estados e no Distrito Federal, também tem superlotação aqui no Rio Grande do Sul, o Governo Federal, já se mobiliza ou apresentou um plano também para resolver esse déficit nas instituições voltadas aos menores, aos adolescentes de 16 anos, e também quero aproveitar para lhe perguntar sobre os desdobramentos, hoje vence o prazo para as prisões temporárias da operação Lava-jato, o senhor fez uma manifestação, no sábado, sobre a participação das empreiteiras, nos processos de concessão no Governo Federal, primeiro há uma nota divulgada pela Odebrecht hoje, publicada nos jornais, em que eles avaliam que a Polícia Federal não apresentou qualquer fato novo que justificasse as prisões, e assim eles classificaram as prisões de desnecessárias e ilegais. Queria saber se o senhor concorda com essa avaliação, e se na sua avaliação a participação das empreiteiras nos processos de concessão do Governo, se isso pode contribuir para a reiteração da pratica criminosa, como observou o juiz Sérgio Mouro, ministro. MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Bem, bom dia, Kelly. É um prazer fala com você novamente. Outro dia mesmo nós estivemos no seu programa aí, na rádio Gaúcha, debatendo essa questão da maioridade, e você coloca uma questão importante, vamos separar as coisas; primeiro lugar, hoje o sistema carcerário já está absolutamente superlotado, nós temos um déficit de mais de 220 mil vagas, temos mais de 400 mil mandados de prisão em aberto, ora, se nós tivermos a situação de redução de maioridade penal, considerando que a proposta que foi aprovada na Câmara, como você mesmo disse, não atinge todos os crimes, mas pega todos os crimes hediondos, inclusive, roubo, você terá uma sobrecarga no sistema absurda, só provavelmente no tráfico, quer dizer, é um número estimado, nós poderemos ter dezenas de milhares de pessoas, aportando ao sistema anualmente, ou seja, se você considerar que o tempo médio para fazer um presídio de 4 anos, se você considerar que o Governo Federal está investindo um bilhão e 100 milhões de reais, em repasse de recurso para os estados, já há 4 anos, que as primeiras unidades serão inauguradas agora, em 2015, justamente por força do tempo, que se demora para construir um presídio, a verdade é que se mesmo essa solução na Câmara for adotada, nós teremos que investir na construção de novas unidades prisionais, unidades que evidentemente não existem e o que acabará acontecendo na prática, é o que hoje acontece com o ECA, piorando ainda mais a situação, nós teremos os jovens colocados como adultos, não haverá como prendê-los em estabelecimentos apartados, não existe essa possibilidade, e mesmo se algum dia nós tivermos, o regime jurídico que estarão sujeitos estes jovens, será o regime do código penal, julgados por juízes penais, que não tem as medidas socioeducativas que o ECA propõe. Ora, qual é o resultado disso? Aumento do encarceramento, o Brasil é um dos países do mundo que tem progredido no último tempo, no ritmo do encarceramento, as pessoas têm uma ilusão, quanto mais se prende, menos reduz a criminalidade, errado. Os EUA e a China que são países que tem grande encarceramento, têm reduzido nos últimos anos a sua população, buscando outras formas penais mais eficazes de cumprimento de pena. O Brasil elevou, acho que uma taxa recorde o encarceramento no mundo, enquanto os Estados Unidos diminuiu 9%, nós subimos 33% e a violência só aumentou, justamente, por causa da organização criminosas que atuam dentro dos presídios e se valem das más condições para arrebanhar novos militantes. Ao fazermos isso com a maioridade penal, nós estaremos elevando indiscutivelmente ainda mais a violência, mas aí você pergunta: E hoje os estabelecimentos que existe para menores adolescentes? Também estão superlotados, também são péssimos. Há alguns exemplos no país fantásticos, eu vi outro dia no Acre uma iniciativa do Governador Tião Vianna fantástica, em que eu tenho uma recuperação de mais de 70, quase 80% dos jovens que são internados lá, mas é uma boa casa, se nós investimos mais nisso, eu diminuo a violência, quando eu faço a questão da redução da maioridade penal, eu sinto o caminho inverso, e ao que seguir o caminho inverso, fatalmente, eu tenho o aumento da violência. No que diz respeito a outra questão que você me faz sobre a lava-jato, Kelly, eu não costumo e nem devo, com o Ministro da Justiça, comentar as decisões judiciais, eu tenho as minhas impressões, tenho as minhas avaliações e um dia talvez até fale de público isso, mas eu não comento especificamente decisões judiciais se foram corretas ou se foram erradas ao meu ver. A única coisa que eu comentei, em relação ao caso da Lava-Jato e as recente prisões que foram determinadas pelo Juiz federal competente, para decidir sobre a matéria, é que ele colocou duas questões, que a meu ver, refletem no Poder Executivo e que eu não poderia me omitir diante delas, a primeira delas, é que ele invocou como fundamento, para a sua decisão, uma situação em que as empresas, por decisão do Governo, poderiam continuar participando de licitações. Discordo, não é isso, pela lei, pela constituição, o Governo não tem poder de afastar quem quer que seja de uma licitação, ou seja, o fato de uma empresa estar sendo investigada, não lhe tira o direito de participar de licitações, isso é da Lei, a Constituição deixa claro que sanções administrativas só podem ser tomadas após direito ao contraditório e a ampla defesa, então, portanto, não me pareceu, essa tese não me pareceu bem alicerceada. Uma outra questão que foi locada, era que invocou como decisão para... como fundamento para a decisão tomada, que as empresas poderiam participar no futuro do nosso programa de concessões, recentemente lançado pela Presidenta Dilma Rousseff, esse programa será composto de várias licitações, é verdade, mas nenhum edital foi lançado nesse programa, ou seja, não se pode imaginar ou lançar suspeita sobre um programa de que empresas, sem que sequer a licitação tenha sido aberta, já iriam entrar ilegalmente, disputar, pagar vantagens a quem quer que seja, quando esse programa será debatido e acompanhado pelos órgãos de controle, haverá, Audiências Públicas, estará submetido a uma ampla fiscalização. Então, esses dois aspectos da decisão, que invocaram teses, foram objetos de comentário da minha parte, porque acho que o Ministério da Justiça, não deve interferir no Poder Judiciário, mas tem sim que se posicionar, quando efeitos reflexos, de uma decisão, afetam a atividade do poder executivo e acabam evidentemente, desbordando para uma situação que não nos pareceu devidamente equacionada.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Esse é o programa Bom Dia Ministro, recebendo hoje o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que conversa com âncoras de emissoras de rádio de todo país, agora a participação do Rubens Salomão, ele fala da rádio 730 AM, de Goiânia. Alô, Rubens, bom dia.REPÓRTER RUBENS SALOMÃO (Rádio 730 AM - Goiânia/GO): Oi, Luciano, bom dia. Bom dia Ministro José Eduardo Cardozo. Bom, a pergunta é em relação à impressão que muitos dos brasileiros têm em relação da questão da maioridade penal e a redução da idade. Uma pesquisa divulgada ontem, do instituto Data Folha, dá conta que 87% dos brasileiros, Ministro, é a favor da redução da maioridade penal, claro, que como é que o Governo, o senhor pode dizer a essas pessoas e o que pode ser argumentado, muitas delas avaliam a questão de uma forma emocional, querem punição a menores que não cometem crimes perto delas ou até à elas, crimes que podem ser inclusive bárbaros. O que dizer para essas pessoas que querem punição aos menores que cometem crimes hoje? Em relação a Segurança Pública, os índices de criminalidade mostram que a participação de menores, crimes cometidos por menores, de 16 a 18 anos, representam a um índice muito pequeno dos crimes cometidos no Brasil, de forma geral, o que o Governo Federal pode fazer, faz, para reduzir os índices de criminalidade que representa o grosso dos crimes cometidos no Brasil, Ministro.MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Na verdade, Rubens, o que acaba acontecendo, é que a população quer uma resposta, e é legítimo que queira. Uma resposta que ataque o problema da violência, que ataque o problema da prática de delitos por jovens e adolescentes. É isso que a população quer. Quando você coloca como única resposta possível a redução da maioridade, as pessoas migram para esse caminho, porém se nós mostrarmos os dados, se nós mostrarmos que existem outras soluções, se nós mostrarmos que esse não é o caminho e que ao contrário, o que vai acontecer é uma piora da Segurança Pública, indiscutivelmente, segundo todos os dados e pesquisas feitas, eu acho que as pessoas refletirão melhor, e tenderão a mudar de opinião. O que parece muito claro, é que nós temos que apontar uma proposta, e o caminho ideal que o Governo está propondo, é inclusive, a partir de uma percepção comum que nós temos no Governo e que alguns parlamentares da oposição também tem, como é o caso do Senador José Serra e do próprio governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que lançaram uma proposta de nós alterarmos o ECA, ou seja, nós não vamos submeter o jovem, o adolescente, a criança, a um tratamento do Código Penal, nós vamos continuar tratando pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas nós vamos colocar uma elevação da pena de internação, poucas pessoas sabem que quando um jovem pratica um delito hoje, ele pode sofrer sim uma restrição de liberdade, não é chamado de prisão, é chamado de medida socioeducativa, porque o estatuto prevê, que durante esse período de internação a criança tenha todo um tratamento educacional, assistencial para ser recuperada, claro que isso acaba não acontecendo, claro que alguns estatutos tratam crianças e adolescentes, como se fossem efetivamente presos e como se estivessem cumprindo a pena do Código Penal, é isso que tem que melhorar. Então, qual é a ideia que nós estamos tendo? É adotar uma visão em conjunto com esses parlamentares, é pegarmos os crimes hediondos que são praticados com violência ou grave ameaça, como o caso de estupro, como o caso do latrocínio. E crimes como esse, o jovem que praticá-lo, ele não ficará só até 3 anos numa internação, poderá ficar até mais tempo, até 8 anos sob a avaliação de um juiz, ou seja, nós ampliaríamos o tempo de internação, e mesmo que ele, porventura, passe, no cumprimento desta medida socioeducativa, a ter mais tempo de retenção além dos 8 anos, ele ficará nessa unidade, e ficará nessa unidade separado dos outros menores, dos outros adolescentes, das outras crianças, que praticaram delitos não tão graves como ele, justamente para não contaminar os outros, o risco que nós não queremos, de que eles sejam ainda mais contaminados por adultos, nós não queremos que esses jovens, que praticam crimes violentos e bárbaros, estejam em contato com outros. Então, essa é a proposta, não precisa mudar a constituição, não precisa reduzir a maioridade penal, basta, mudar o ECA, e aperfeiçoar o ECA, elevar de internação do jovem que pratica crimes hediondos, tem uma série de regras para que ele não contamine as outras crianças ou adolescentes com as suas práticas e nós teremos uma resposta muito mais eficaz, embora nós saibamos algo que você disse, Rubens, e que é correto, todos os indicadores mostram que os crimes praticados por crianças e adolescentes têm um universo muito reduzido no total de delitos que existem no país, isso é verdade. Portanto, o que nós temos que dar é o tratamento correto, no caso, para que nós não criemos mais um problema, não gravemos a situação da Segurança Pública fazendo com que esses jovens sejam colocados em presídios comuns, submetidos à lei penal comum e capturados pelas organizações criminosas, que hoje organizam o narcotráfico, organizam o tráfico de armas no Brasil e geram toda essa violência, que infelizmente nós como brasileiros somos obrigados a ver, mas temos o dever de combater.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: E agora no programa Bom Dia Ministro temos a participação da Rádio Capital, de São Paulo. De lá fala Cid Barbosa, bom dia, Cid.REPÓRTER CID BARBOSA (Rádio Capital AM/São Paulo - SP): Bom dia, Luciano. Bom dia, ministro José Eduardo Cardoso. Ministro, pela sua fala surge aí um raciocínio muito preocupante. Quando para argumentar que a redução da maioridade penal não é solução, o senhor falou mais de uma vez sobre a existência de organizações criminosas no sistema penitenciário brasileiro, que poderiam [...] esses jovens se eles fossem encarcerados juntos a maiores de idade. Não é uma admissão de que tanto o Governo Federal quanto governos estaduais, na questão de Segurança Pública como um todo, falharam vergonhosamente em todo o Brasil, ministro?MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Cid, bom dia, é um prazer falar com você da Rádio Capital. E eu vou te dizer o seguinte, o dia em que o homem público não tiver compromisso com a verdade, ele não encontra as políticas para enfrentar melhor essa realidade. Ao longo dos tempos, nós tivemos uma péssima política prisional. E quando eu falo ao longo dos tempos, não é um governo dos últimos 10, 15 anos. Historicamente nós tivemos. Aliás, essas organizações criminosas surgiram, como você bem sabe, Cid, porque as condições dos presídios brasileiros são péssimas; na perspectiva de defesa dos seus direitos internamente, eles começaram a se unir, você vai lembrar, décadas atrás em São Paulo aquele fenômeno das Serpentes Negras, que inclusive deu início a organizações criminosas nos presídios paulistas, ou seja, isso é uma coisa que vem se colocando ano a ano, e como nós não temos energia social e política suficiente para atacar o problema prisional, essas organizações se formaram dentro dos presídios, e hoje comandam o crime, infelizmente, no âmbito do narcotráfico, do tráfico de armas e outras situações ilícitas que aterrorizam a nossa população. Nós não vamos admitir isso, temos que admitir, o Estado brasileiro tem que fazer uma autocrítica histórica, os órgãos de imprensa, que sempre colocam a questão do combate à violência no primeiro plano, também não enfrentam a questão prisional, é como se fosse bom prender e pura e simplesmente não ressocializar, ou seja, nós temos que, enquanto sociedade brasileira, enquanto governo, ter a coragem e a ousadia política de dizer verdades à população. Não é encobrindo a verdade que nós combateremos o crime, é dizendo existem organizações criminosas, sim, existem. O Estado brasileiro, falhou ao longo da história? Sim, falhou. A sociedade brasileira não se apercebeu do problema? Não, não se apercebeu. E juntos temos que encontrar a melhor solução para isso, com coragem, dizendo a verdade e com ética, portanto talvez num país em que nósestamos tão acostumados no mundo político a sermos hipócritas, quando se fala a verdade, se choca, mas a verdade é essa. O Estado brasileiro falhou, a sociedade brasileira falhou, historicamente, e criou as condições para que os nossos presídios, habitassem no seu seio organizações criminosas de pessoas que comandam de dentro dos presídios a criminalidade. Há que se enfrentar isso, e não é com a redução da maioridade que nós vamos melhorar esse quadro, ao contrário, vamos piorar.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Este é o programa Bom Dia Ministro , recebendo hoje o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O sinal desta entrevista está disponibilizado pela EBC Serviços para todas as emissoras de rádio do país, no mesmo canal da Voz do Brasil , via satélite. O áudio da entrevista também é disponibilizado ainda hoje na página da EBC Serviços na internet em www.servicos.ebc.com.br. Nós temos agora a participação da Rádio Bahia Nordeste. De lá fala Marcelo França, bom dia, Marcelo. Tivemos um problema de comunicação com o Marcelo, vamos direto então ao Rio de Janeiro, de onde contamos com a participação da Rádio Tupi, de onde fala Cristiano Santos. Bom dia, Cristiano.REPÓRTER CRISTIANO SANTOS (Rádio Tupi AM/Rio de Janeiro - RJ): Bom dia, Luciano. Bom dia, ministro José Eduardo Cardoso. A nossa pergunta referente a esse tema aí é se com essa redução da maioridade para 16 anos também vai pegar a questão de, por exemplo, o jovem, para que ele possa ser autorizado a assistir filmes pornográficos a partir de 18 anos, isso aí também seria reduzido para 16 anos ou não tem nada a ver?MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Olha, a sua pergunta é muito interessante, e meus cumprimentos aí a todos os cariocas que estão nessa cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. O que eu quero te observar é o seguinte: é óbvio que quando você reduz a maioridade penal, você tem alguns efeitos reflexos, e isso vai atingir várias questões que as pessoas não estão pensando. Quer ver um exemplo? O Código Nacional de trânsito, ele diz que a pessoa pode dirigir veículos quando for imputável. Ora, quando a Constituição reduzir a maioridade penal, dizendo que os maiores de 16 anos são imputáveis, automaticamente todas as crianças, perdão, adolescentes de 16 anos, vão poder dirigir. Ninguém refletiu sobre isso. Eu não estou entrando no mérito se isto é bom ou se é mau, eu estou dizendo que é um efeito. Outro exemplo, a lei diz que é crime vender bebidas para menores de 18 anos, por quê? Porque parte do pressuposto que o menor de 18 anos é inimputável. Ora, quando a Constituição mudar, surgirá a seguinte tese: bom, a idade de 18 anos da legislação ficou incompatível com a Constituição, logo alguém que vender bebida para menor de 18 anos, vai alegar na sua defesa que a Constituição mudou e que não é mais crime vender bebida para quem é maior de 16. Considerando que no Direito Penal, na dúvida jurídica, prevalece a tese em favor do réu, o que vai acontecer? A pessoa não será mais apenada. Outro exemplo, hoje a nossa legislação prevê claramente agravantes penais, ou seja, aumento de pena, para quem comete crimes contra menores de 18: estupro, o envolve em prostituição, etc. Ao se mudar o paradigma constitucional para 16 anos, vai surgir a tese que as pessoas que praticam estupros contra pessoas que têm mais de 16 e menos que 18 não terão pena maior. Vai surgir esse reflexo. Ou seja, as pessoas que defendem a redução da maioridade penal pensando em endurecer o sistema penal, comete um equívoco grosseiro, porque isso vai rebater, vai atenuar outras penas, vai permitir indiretamente a possibilidade de vender bebidas a menores de 18, vai criar a possibilidade do menor de 18 dirigir. Não perceberam esse efeito reflexo. Portanto a questão que você coloca também na classificação indicativa, eu diria que não é uma afetação imediata, mas vai ter que se pensar também, ou seja, os especialistas vão ter que se debruçar sobre essa mudança constitucional para verificar se efetivamente uma pessoa que tem a imputabilidade penal a partir dos 16 não tem que ficar numa outra faixa de possibilidade vendo programas televisivos; caso contrário, se isso não for feito, alguém poderá inclusive questionar na justiça. Mas tudo isso é um universo que ninguém discutiu. As pessoas muitas vezes passionalmente defendem a redução da maioridade penal e não percebem as consequências que isso trará para a Segurança Pública e em todo o restante da legislação no que diz respeito a bebidas, no que diz respeito a dirigir, e outras questões que aqui coloquei.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Esse é o programa Bom Dia Ministro , que está sendo transmitido ao vivo pela NBR, a TV do Governo Federal, que reapresenta a gravação desta entrevista em horários alternativos durante a sua programação. Nós temos agora a participação de Marcelo França, da Rádio Bahia Nordeste, que também está ao vivo conosco no Bom Dia Ministro . Bom dia, Marcelo. REPÓRTER MARCELO FRANÇA (Rádio Bahia Nordeste 950 AM/Paulo Afonso - BA): Bom dia, companheiro. Bom dia, excelentíssimo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Bom dia, Marcelo.REPÓRTER MARCELO FRANÇA (Rádio Bahia Nordeste 950 AM/Paulo Afonso - BA): Ministro, o Governo Federal segue firme, então, na manifestação contrária à aprovação da PEC mesmo tendo a sociedade, mesmo tendo a grande mídia se colocando a favor da redução da maioridade penal?MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Eu acho que quando você está convencido de uma questão, você tem que defendê-la com coragem, mesmo que muitas vezes o senso comum ou a opinião pública marchem numa outra linha. Nós estamos absolutamente convencidos, no Ministério da Justiça, todos os nossos especialistas, que esta situação de redução da maioridade penal será um desastre no sistema carcerário, será um desastre para a Segurança Pública, terá efeitos reflexos na população que as pessoas ainda não pensaram. Eu tenho a mais absoluta convicção que se as pessoas pudessem debater tudo isso que eu estou dizendo aqui agora, nós tivéssemos mais tempo para demonstrar dados, para mostrar os estudos que se realizam em vários países do mundo, elas começariam a perceber diferente. Eu recebi outro dia professores da Universidade de Yale, dos Estados Unidos, que é uma das universidades mais conceituadas no mundo. E eram juristas, eram estudiosos, que falavam do problema gravíssimo nos Estados Unidos relativamente a tratar adolescentes como adultos, e que isso trazia distorções que hoje faz os Estados Unidos marcharem em linha diferente. Foi por isso que a Suprema Corte americana, inclusive, decidiu em casos aumentar a faixa de idade, para não tratar jovens como adultos. Ora, o Brasil tem que debater isso. O Brasil tem que debater esses estudos, ele tem que debater as consequências, ele tem responder o que vai acontecer com o nosso sistema prisional, que hoje está superlotado, que tem, faltam 220 mil vagas. O custo de um presídio é altíssimo, a construção de um presídio é caríssima. Ora, como é que nós vamos lidar com isso, com essas dezenas de milhares de jovens que passarão a ter que entrar em presídio novos. Nós vamos ter que tirar dinheiro de creches, de escolas para construir esses presídios, para tratar jovens como adultos e ainda aumentar a criminalidade porque eles serão cooptados por organizações criminosas? É isso que a sociedade quer? Eu acho que a sociedade não debateu ainda. A resposta ainda é muito passional, mas é por isso que o governo, com coragem e política tem o dever de informar a população: esta redução é um erro.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: E agora no programa Bom Dia Ministro nós temos a participação da Rádio Cultura, de Belém do Pará. De lá fala Gustavo Aguiar, bom dia, Gustavo.REPÓRTER GUSTAVO AGUIAR (Rádio Cultura 93,7 FM/Belém - PA): Bom dia, bom dia, Ministro. Olha, o senhor está falando com relação à opinião da população, e quais seriam as propostas para readequar esse formato de recuperação desse adolescente em conflito com a lei?MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Veja, nós estamos encaminhando duas propostas, que estão sendo encaminhadas por um relatório apresentado pelo senador José Pimentel do Ceará, no Senado Federal, a partir de um Projeto de Lei encaminhado pelo senador de São Paulo, José Serra. Nesse projeto de lei nós estamos fazendo o quê? Primeiro, propondo, como eu disse, a elevação do prazo de retenção de menores, retenção que eu digo é de internação do jovem que pratique crimes hediondos, com grave violência ou grave ameaça; o máximo que ele cumpre hoje é 3 anos, nós estamos propondo que passe para 8. A segunda medida é um agravamento da pena daqueles adultos que participam de delitos com crianças e adolescentes. Tem que ter pena maior para quem usa criança, tem que ter pena maior para quem utiliza adolescente, e é uma pena que deve ser aplicada não só no caso de ele induzir esta criança e adolescente a praticar o delito, mas no caso de ele simplesmente participar desse delito com esse jovem, com essa criança. Com isso, eu dou uma ação maior para o Estado, eu finalizo com as pessoas que utilizarem crianças, que vão tomar penas muito mais duras, e tem que paralelamente a isso desenvolver programas para melhorar esses estabelecimentos que cuidam de crianças e adolescentes. O que nós temos hoje é muito ruim. As crianças e adolescentes ficam misturadas, não há cuidado quanto a faixa etária, e a população, em geral, não tem cobrado dos governos que tenha programas dessa natureza. Na verdade, eu tenho, essas casas são estaduais, mas o Governo Federal tem o dever de apoiar a construção de novas unidades, de orientar a maneira pela qual o acompanhamento desse infrator é feito. Há estudos neurológicos que provam que um jovem tem muito mais possibilidade de se recuperar para a sociedade do que o adulto, por isso que nós não devemos tratá-los junto com adultos, não devemos tratá-los como adultos, temos que ter um tratamento especial, porque o jovem, até neurologicamente, tem condições de encontrar novos caminhos, e se nós tivermos efetivamente a possibilidade de não ter a redução da maioridade penal, de ampliar a internação e desenvolvermos um programa em conjunto com os governadores para tratar desse problema, nós estaremos enfrentando com coragem algo no caminho certo. Enfrentar problema tem que ser com a solução certa, nunca com a solução errada. Por isso defendemos a mudança, sim, do ECA, que aumentemos o prazo de internação dos jovens, que punamos os adultos que utilizam jovens e crianças na prática de crimes, mas que não façamos a redução da maioridade penal, porque tratar jovens como adultos no mundo eleva a criminalidade. Nós temos que encontrar aquilo que a ciência da criminologia aponta como melhor caminho para não errarmos, e o Brasil não pode errar mais em Segurança Pública.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, muito obrigado pela sua presença aqui no programa Bom Dia Ministro .MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO: Eu que agradeço vocês, muito obrigado pela atenção.APRESENTADOR LUCIANO SEIXAS: Nós estamos chegando ao final de mais uma edição do Bom Dia Ministro , uma realização da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Eu sou o Luciano Seixas, nós voltamos em uma próxima oportunidade. Até lá.